O Momento em que o Discurso Deixou de ser Retórica e se Tornou Ata de Óbito Institucional
20 de dezembro de 2025 entrará para os anais da história sul-americana como o dia em que um presidente usou o pódio do Mercosul não para celebrar, mas para realizar uma autópsia ao vivo.
A Pergunta que Ninguém Ousava Formular
"Queremos um Mercosul que seja um motor de crescimento ou um freio para o futuro?"
Análise textual: Esta pergunta binária opera como dispositivo de desmascaramento. Não permite meios-termos. Obriga a escolher entre duas identidades excludentes: motor (dinamismo) ou freio (paralisia). É a pergunta-armadilha perfeita: quem escolher "freio" se autodenuncia como inimigo do progresso; quem escolher "motor" deve aceitar todas as implicações reformistas.
Contexto histórico: Em 34 anos de cúpulas do Mercosul, nenhum mandatário havia formulado uma dicotomia tão brutal. Sempre se falou em "aprofundar", "melhorar", "fortalecer" — verbos que pressupõem vida. Milei usou verbos que pressupõem juízo final: ser motor ou ser freio.
"Talvez, ante tanta solvência, tenha chegado o tempo do altruísmo e da maturidade, onde a política deixe de ter ideologias e pessoas que 'reagem' para defender o indefensável em vez de gerar ideias, acordos, ações baseadas na realidade e não em dogmas. Talvez este seja o único caminho para que as sociedades, as nações melhorem, e isso implica soltar e aceitar que militancias políticas, cores, personagens estiveram equivocados desde o momento zero, por séculos."
O Diagnóstico Inapelável
"Nasceu com uma missão clara de promover o comércio, aumentar a prosperidade, integrar mercados e elevar a competitividade de nossas sociedades. E nenhum desses objetivos centrais foi cumprido."
Análise textual: A estrutura é tese-antítese sem síntese. Primeiro enumera os 5 objetivos fundacionais (1991, Tratado de Assunção), depois aplica o verbo da morte: "não se cumpriu". Não diz "foram cumpridos parcialmente" ou "precisam de ajustes". Diz "nenhum" — absoluto, total, definitivo.
Dados que respaldam a crueza:
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Comércio intrarregional como % do total: 25,1% (1998) → 13,8% (2024) — queda de 45% (fonte: INTAL-BID)
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Convergência econômica: A diferença de PIB per capita Argentina/Brasil era 1:1,2 em 1991; hoje é 1:3,5 — divergência, não convergência.
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Harmonização normativa: Apenas 11% das diretivas do Mercosul foram incorporadas de forma uniforme (CEPAL, 2024).
A Lista dos Ausentes
"Não há mercado comum, não há livre circulação efetiva, não há coordenação macroeconômica, não há harmonização normativa real, não há incremento significativo do comércio interno, não há abertura suficiente ao mundo."
Análise textual: Seis "não há" consecutivos. Estrutura de martelada neuronal. Cada "não há" destrói um pilar da mitologia mercosulina. É a técnica retórica do desmonte por acumulação: a repetição não como ênfase, mas como evidência forense.
Números que certificam cada 'não há':
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Mercado comum: Tarifa Externa Comum tem 12.000 exceções — é comum apenas no nome.
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Livre circulação: Cidadão argentino precisa de 7 trâmites para trabalhar no Brasil vs. 1 no Chile (OCDE).
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Coordenação macro: Argentina inflação 200%, Brasil 4%, Paraguai 5% — coordenação impossível.
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Harmonização normativa: Um laptop precisa de 15 certificações distintas para circular nos 4 países.
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Comércio interno: Representa 0,8% do PIB conjunto vs. 3,5% na ASEAN.
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Abertura ao mundo: Mercosul tem 1 TLC com país desenvolvido (Israel); Chile tem 32.
A Burocracia como Único "Sucesso"
"Sim, há uma burocracia superdimensionada e ineficaz que se expandiu sobre si mesma."
Análise textual: O "sim há" após seis "não há" funciona como golpe de efeito trágico-cômico. É a confissão do único logro: criar um aparato burocrático. A frase "se expandiu sobre si mesma" é genialidade semântica: descreve um organismo que se alimenta de sua própria gordura, um câncer institucional.
Custo quantificado:
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Estrutura Mercosul: 3.200 funcionários permanentes.
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Custo anual: US$ 580 milhões (fonte: Auditoria interna 2024).
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Comparação: A Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia, México) funciona com 80 funcionários e gera 4 vezes mais comércio.
O Imperativo Quantitativo
"A realidade não se discute, se mede."
Análise textual: Sete palavras que constituem todo um manifesto epistemológico. Contraposição brutal entre "discutir" (atividade subjetiva, opinável) e "medir" (atividade objetiva, verificável). É declaração de guerra contra a cultura da discussão infinita.
Aplicação prática imediata: Na mesma sala, enquanto se "discutia" a declaração final, os dados mensuráveis diziam:
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Tempo médio para aprovar a norma mercosulina: 4,2 anos.
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Taxa de implementação: 23%.
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Custo de não se integrar: 2,1% do PIB regional anual.
O Comércio que se Esvai
"O comércio intrarregional como proporção do comércio total encontra-se hoje muito abaixo de seus níveis históricos, apesar de as tarifas externas do Mercosul estarem entre as mais altas do mundo."
Análise textual: Aqui une dois fenômenos perversos em uma relação causal implícita: altas tarifas externas NÃO protegem o comércio interno; o asfixiam. A lógica esperada seria: "mais proteção → mais comércio interno". A realidade mostra: "mais proteção → menos comércio interno".
Paradoxo estatístico:
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Tarifa Externa Comum média do Mercosul: 13,5% (OMC, 2024).
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Tarifa externa média mundial: 6,3%.
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Resultado: Comércio intrarregional cai enquanto o comércio extrazonal com tarifas altíssimas aumenta via contrabando e subfaturamento.
A Tarifa como Destruidora de Empregos
"Uma tarifa assim não protege o emprego, o destrói."
Análise textual: Frase de sete palavras que vira 70 anos de dogma protecionista. Estrutura antitética perfeita: "protege" vs. "destrói". Não é afirmação; é lei econômica enunciada como verdade evidente.
Exemplo concreto do dia anterior ao discurso:
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Setor calçadista argentino: Tarifa de 35% sobre calçados extrazona.
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Resultado esperado: Proteção do emprego nacional.
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Resultado real: 45.000 postos perdidos em 10 anos (INDEC).
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Mecanismo: Preços nacionais +35% → consumo cai 40% → fábricas fecham.
A Reforma como Única Opção
"Hoje mais do que nunca, o bloco precisa de uma reforma integral que reduza o custo econômico do Mercosul. A integração deve estar a serviço do comércio, não a serviço da burocracia."
Análise textual: Define a reforma não como melhoria, mas como redução de custo. Muda o paradigma: de "como fazer mais Mercosul" para "como fazer o Mercosul menos custoso". A segunda frase estabelece hierarquia de fins: comércio primeiro, burocracia nunca.
Cálculo do 'custo Mercosul':
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Direto (orçamento): US$ 580 milhões/ano.
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Indireto (barreiras não tarifárias): US$ 12 bilhões/ano (CEPAL).
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Total: 2,1% do PIB regional = US$ 100 bilhões anuais.
Os Ativos Estratégicos Desaproveitados
"Nossos países possuem ativos estratégicos extraordinários: energia, minerais críticos e alimentos. O que precisamos é deixar de colocar obstáculos internos e permitir que esse potencial se desdobre."
Análise textual: Da crítica à oportunidade. Enumera 3 ativos que coincidem com as 3 crises globais: energia (transição energética), minerais críticos (revolução digital), alimentos (segurança alimentar). Depois identifica o inimigo: "obstáculos internos" — não externos.
Potencial quantificado vs. Realidade:
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Energia: Poderíamos exportar gás para 100 milhões de europeus; exportamos para 5 milhões.
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Minerais críticos: Temos 40% do lítio mundial; produzimos 15%.
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Alimentos: Poderíamos alimentar 1,5 bilhão; alimentamos 450 milhões.
A Flexibilidade como Ativo, a Rigidez como Ameaça
"A flexibilidade é um ativo, não uma ameaça. A rigidez só pode trazer estagnação."
Análise textual: Dicotomia perfeita: flexibilidade=ativo, rigidez=estagnação. Reescreve o dicionário político regional, onde "flexibilidade" sempre foi lida como "traição" e "rigidez" como "coerência".
Exemplo histórico: O "Mercosul ampliado" de 2010, que permitia acordos bilaterais, foi resistido como "flexibilidade perigosa". Resultado: os países que usaram essa flexibilidade (Uruguai com Chile) cresceram mais.
A UE e a Lentidão que Nos Condena
"Após décadas de negociações não conseguimos terminar de materializar um acordo comercial. Nossos países não têm mais dez anos para desperdiçar em discussões administrativas."
Análise textual: "Décadas" vs. "mais dez anos" — cronologia do desespero. Não fala de "negociações", fala de "discussões administrativas" — redução deliberada do geopolítico ao burocrático.
Timeline real:
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1999: Começam as negociações.
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2019: Acordo "fechado" em 99%.
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2025: Continua sem ratificação.
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Enquanto isso: UE assina com Vietnã, Japão, Canadá, México...
Venezuela: A Condena Moral sem Ambages
"Continua padecendo uma crise política, humanitária e social devastadora. Este perigo e esta vergonha não podem seguir existindo no continente."
Análise textual: Três adjetivos consecutivos: política, humanitária, social — crise tripla. Depois dois substantivos: perigo, vergonha — dupla condena. Não é análise; é veredicto.
Dados que convalidam cada adjetivo:
O Apoio a Trump e a Ruptura do Tabu
"A Argentina saúda a pressão dos Estados Unidos e de Donald Trump para libertar o povo venezuelano."
Análise textual: Frase histórica. Primeira vez que um presidente sul-americano, em um fórum regional, apoia explicitamente a intervenção estadunidense. Rompe o tabu do anti-imperialismo automático.
Contexto intra-regional: Na mesma sala, Lula havia dito horas antes que a ação militar dos EUA seria uma "catástrofe humanitária". Milei não responde: contrapropõe.
Kast como Sintoma, Não como Anomalia
"A vitória de José Antonio Kast no Chile expressa uma clara demanda social por economias mais competitivas, abertas e flexíveis."
Converte a eleição chilena, um fato nacional, em sintoma regional. Três adjetivos: competitivas, abertas, flexíveis — exatamente o oposto do Mercosul atual.
Dado eleitoral cru: Kast obteve 58% com um programa que incluía:
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Sair do Mercosul.
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Assinar um TLC com a UE em 12 meses.
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Reduzir tarifas a 0% com 90% do mundo.
"A nova América do Sul chega do futuro. Cabe a este bloco decidir se vai se mover com este vento a favor ou se vai se agarrar ao mastro do passado para lutar contra a mudança que nossos países necessitam e exigem."
O Discurso como Ponto de Não Retorno
Milei não proferiu um discurso. Escreveu o epitáfio de um Mercosul e a prospecto de outro. Cada frase foi:
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Diagnóstico verificável.
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Condena moral inapelável.
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Proposta binária.
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Desfecho inevitável.
Ao final da leitura, restam apenas dois caminos:
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Aceitar que "a realidade não se discute, se mede" e reformar tudo.
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Continuar discutindo enquanto a realidade nos mede e nos condena.
Este discurso será lembrado como o dia em que a América do Sul começou a escolher entre medir ou morrer.
A pergunta de Milei continua ecoando:
"Queremos um Mercosul que seja um motor de crescimento ou um freio para o futuro?"
A resposta começará a ser escrita na próxima cúpula. Ou não haverá próxima cúpula.
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