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O que é indisputável é que foi mais do que um pronunciamento presidencial: foi catarse — entrelaçada a uma exposição clara e assertiva de um plano nacional projetado para o palco internacional. Foi a Argentina falando consigo mesma — o paradoxo de um país que precisa ultrapassar suas fronteiras para acreditar no próprio futuro — e um alerta sobre o risco que nações e cidades como Nova York enfrentam quando caem em mãos socialistas, algo que, inevitavelmente, termina mal.
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O presidente da Argentina converteu o American Business Forum em um manifesto de uma nação que tenta, mais uma vez, escapar de seu próprio labirinto histórico.
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Miami não foi por acaso. E que palco melhor do que uma cidade onde 250 mil argentinos construíram a versão da Argentina que julgavam impossível em sua terra natal?
A TEOLOGIA DO MERCADO: QUANDO A ECONOMIA VIRA RELIGIÃO
“O capitalismo não é um mal necessário; é justiça pura”, proclamou Milei, com um fervor mais próximo ao de um pregador evangélico do que ao de um economista formado na Universidade de Belgrano. Não é metáfora casual: Milei articula o que o sociólogo Max Weber chamaria de uma ética protestante do capitalismo — atualizada para o século XXI e para o temperamento argentino.
Sua construção argumentativa é sofisticada. Parte de uma premissa correta: o capitalismo de fato retirou bilhões de pessoas da pobreza absoluta. Como documenta o Nobel Angus Deaton em The Great Escape, a redução global da pobreza desde 1820 é sem precedentes históricos e está diretamente correlacionada à expansão do comércio e dos mercados livres.
Mas Milei vai além da evidência empírica e adentra a metafísica do mercado. “Não temos muitos direitos naturais nesta vida além do direito de ser dono do suor do nosso rosto”, afirmou, invocando John Locke. Como observa o filósofo político Michael Sandel em Justiça, a teoria dos direitos naturais é bem mais complexa: e aqueles que não podem trabalhar? Pessoas com deficiência, crianças e idosos não possuem direitos naturais?
A plateia no Kaseya Center — líderes empresariais bem-sucedidos, empreendedores self-made, argentinos que fugiram do estatismo — aplaudiu entusiasmada.
Milei foi ovacionado tanto quanto Messi — e isso diz muito.
Ainda assim, havia uma ironia profunda naquele aplauso: muitos desses empreendedores construíram fortunas alavancando subsídios estatais, proteção comercial ou contratos governamentais na Argentina nos anos 1990 e 2000. E, lamentavelmente, em muitas províncias argentinas ainda existem elites empresariais atreladas a estruturas de poder estatistas e peronistas que se beneficiam da estagnação do país — que preferem que o Estado mastodôntico, empregador de 30% da força de trabalho, não encolha, e que cultivaram uma cultura que defende um Estado onipotente que decide quem é “talentoso” e quem não é — resultando frequentemente em mediocridade, injustiça, um totalitarismo polido e pobreza, mascarados por um “localismo” negacionista.
O “RISCO KUKA” E A VITÓRIA ELEITORAL: UMA NARRATIVA DE RESISTÊNCIA
Milei dedicou uma parcela substancial de sua fala a celebrar a vitória legislativa de outubro de 2025, descrevendo-a como um “triunfo histórico” que provaria que “os argentinos responderam” apesar do “golpe econômico que a oposição tentou desferir a partir do Congresso”.
Esse enquadramento heroico de resistência contra forças nebulosas é populismo clássico. Como analisa Ernesto Laclau em A Razão Populista, líderes populistas constroem legitimidade precisamente por meio de narrativas de luta contra um establishment conspirador.
O que Milei chama de “risco KUKA” — referência pejorativa ao kirchnerismo — é um enquadramento politicamente brilhante: personaliza o adversário, demoniza-o e, ao mesmo tempo, se coloca como vítima. “Por meses foi o maior obstáculo ao programa econômico”, afirmou, atribuindo dificuldades ao suposto sabotagem da oposição.
No entanto, economistas independentes como Martín Guzmán (ex-ministro da Economia) e Ricardo Arriazu apontam que os problemas econômicos da Argentina são estruturais e se acumulam há décadas — não resultam de manobras de uma única facção política. A inflação anual de 211% herdada por Milei em dezembro de 2023 decorreu de cinquenta anos de emissão monetária irresponsável, não de uma conspiração kirchnerista.
Mas, para a audiência em Miami — particularmente argentinos vivendo em bolhas de confirmação onde todos pensam igual — a narrativa de Milei é catártica. “Finalmente temos um presidente que fala as coisas como são”, diz Mónica Fernández, contadora radicada em Aventura. “O kirchnerismo destruiu a Argentina e agora tenta destruir quem quer consertá-la.”
O COMEBACK EM BUENOS AIRES: SIMBOLISMO E REALIDADE
Milei deu ênfase especial à vitória na Província de Buenos Aires, onde “recuperamos uma diferença de mais de 14 pontos”. É simbolicamente crucial: Buenos Aires concentra 37% do eleitorado nacional e, historicamente, é um reduto peronista/kirchnerista.
Como observa o cientista político Sergio Berensztein, essa vitória reflete o esgotamento da classe média após décadas de declínio. A província que prosperou nas décadas de 1950 e 60 hoje é marcada por pobreza crescente, insegurança endêmica e infraestrutura em colapso. O voto em Milei foi menos uma adesão ideológica do que um grito desesperado de “fora todos”.
Para os argentinos em Miami, a vitória tem significado especial: valida a decisão de partir. “Se até Buenos Aires votou por mudança, significa que não estávamos loucos em ir embora”, reflete Eduardo Constantini (não confundir com o magnata das artes), engenheiro que emigrou em 2018. “O país inteiro percebeu que o modelo anterior era insustentável.”
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